As pernas ficam inchadas após uma subida íngreme no percurso de BTT. Os braços tremem nas últimas repetições do supino. O ácido lático faz-se sentir nos últimos 50m na prova de 200m em natação. Para o atleta que quer ir mais além na sua performance desportiva, certamente a dor é uma presença habitual no treino e competição. Sem dor, desconforto e incómodo certamente o atleta ficará sempre aquém do seu máximo rendimento desportivo.
A dor é impossível de ser ignorada, assim que sentimos dor, o corpo envia um alerta para a mente. Este processo de proteção ancestral pode evitar lesões. Às vezes, o desconforto físico é realmente um sinal de que o atleta precisa abrandar ou parar. Mas a maior parte do tempo, com a forma adequada e o esforço adequado, a dor induzida pelo exercício é realmente apenas um sinal de condicionamento cardiovascular ou de “destruição” e reconstrução muscular.
O desconforto ou incómodo físico pode sinalizar “tempo para desacelerar”, “hora de entrar em pânico” ou “momento para avançar com mais força”. O que o corpo está tentando comunicar é quase inteiramente dependente do que o atleta quer ouvir.
Em qualquer tipo de performance atlética, é inevitável que o atleta enfrente desconforto físico ou emocional. Mas é a sua percepção e reação a tudo isso que determinará quanto poder terá sobre o seu desempenho.
Tolerar e superar esse desconforto saudável não é apenas o caminho para se tornar mais apto e mais rápido, também ajuda a entender os seus limites físicos com mais precisão, de modo que venha a doer um pouco menos na próxima vez.
Se és atleta e por vezes a dor e incómodo físico saudável fazem-te ficar longe da tua melhor performance, em seguida apresento oito estratégias que te farão concentrar menos na dor e mais em aprenderes os teus limites reais:
1. Desenvolver uma prática de mindfulness
Praticar qualquer uma das estratégias que se seguem requer um nível de especialização e familiaridade com o corpo, para que possas distinguir o verdadeiro desconforto da dor real, e assim perceber antecipadamente o que pode estar associado a uma lesão. A maneira mais eficaz e eficiente de fazer isso é o treinamento da atenção plena (mindfulness).
O treino da mindfulness exige esforço fora do ginásio, mas o tempo gasto é compensador, incluindo melhor controle da dor, melhoria do sono, melhoria da motivação, aumento da capacidade para lidar com momentos críticos e menos estresse.
2. Planejar e aceitar o desconforto
Qualquer planejamento de treino físico envolverá desconforto físico, porque o atleta está se esforçando para superar o que já fez antes. Esperar desconforto permite aceitá-lo e até mesmo adotá-lo como um sinal de que as coisas estão dando certo, em vez de as coisas darem errado.
Ao realizar um treino de corrida ou de levantamentos de pesos, pensa nos movimentos que irás executar e como o teu corpo reagiu no passado. Se fores fazer corridas em rampa com intensidade forte, certamente podes esperar que ao final de poucas repetições comeces a sentir dores musculares e dificuldades na respiração. Se és praticante de Crossfit e o WOD de hoje envolver burpee box jumps, antecipa a vontade de vomitar e de abrandar o ritmo, e imagina que atitude queres ter e que estratégia vais usar quando esse momento chegar.
Quando aceitamos o desconforto, duas coisas realmente importantes acontecem: primeiro, podemos aplicar a nossa inteligência para realizar a tarefa física em mãos, estabelecendo o ritmo e a respiração mais adequada, em vez de lutar contra as sensações físicas desconfortáveis e sentimentos negativos associados. Em segundo lugar, evitamos acumular dor extra pelos julgamentos do gênero:
1. Se eu estivesse em forma, não estaria sentindo isto.
2. Se eu já me sinto assim, de certeza que não irei ser capaz de terminar.
3. Se eu me sinto assim agora eu posso muito bem desistir porque não vou obter os resultados que quero.
3. Pensar na dor como poder
A dor é indiscutivelmente uma sensação negativa, certo? Errado! Na verdade, é realmente pensar nisso como algo negativo que faz com que seja assim. Cada sensação incómoda que se faz sentir no corpo do atleta, no terreno de jogo, durante uma corrida ou na academia é completamente neutro até que ele coloque um rótulo positivo ou negativo. Os batimentos cardíacos rápidos, a tensão muscular e os pensamentos acelerados podem ser excitantes ou ansiosos, mas o que o atleta acredita estar sentindo afeta diretamente o seu desempenho.
Dica: Quando estamos em um quadro emocional positivo, ficamos mais predispostos a ter um melhor desempenho.
Se és atleta faz o seguinte: quando a fadiga ou a dor começarem a invadir o teu corpo, pensa nessa nova sensação como apenas incômodo físico, e não necessariamente como algo ruim ou que não aguentas. Ao invés de pensares como sendo algo intolerável, pensa como se fosse uma fonte de força e energia. Sente o vigor percorrendo a tua corrente sanguínea, e envia a sensação para a parte do corpo que mais precisas.
Por exemplo, concentra-te em um fluxo de força movendo-se através dos músculos, energizando as tuas pernas para os quilômetros que faltam, ou energizar os teus ombros para mais uma repetição de supino.
4. Definir pequenos objetivos
Faz uma corrida quilômetro a quilômetro ou faz cada exercício de força ou reforço muscular um a seguir ao outro. Às vezes, quando a atividade fica muito difícil, só precisamos chegar ao final dessa repetição ou até à próxima respiração. Quando dividimos o treino ou a competição, distância por distância ou exercício a exercício, a imagem da totalidade da competição (esforço) não está lá para nos colocar mais desconforto.
A estratégia de estabelecer pequenos objetivos é parte da distração, é garantia de pequenas vitórias. Quando o atleta sente que está pronto para desistir, mas se esforça para produzir apenas mais uma volta ou uma repetição, isso cria a confiança de que necessita para continuar.
Dica: Dividir o treino em pequenos objetivos ensina efetivamente ao cérebro que a dor não é o indicador real que sentes. Além disso, dividir a corrida ou o treino em pequenos objetivos ajuda-te a estares focado no aqui e agora, e igualmente a dissipar a sensação de dor. Normalmente, esse momento difícil passa e voltarás a sentir-te capaz em poucos segundos ou minutos.
5. Emparelhar uma palavra de sugestão
Pensa no que mais precisas quando te sentes cansado ou desconfortável? Poder, energia, foco, motivação? Faz uma lista de palavras que evocam esse sentimento mais forte para ti. Elas podem ser tão diretas quanto as palavras de ação ou frases como “explodir”, “cruzar”, “acelerar depois” ou algo motivador para ti.
Dica: Quando o teu treino se tornar cansativo, lembra-te de verbalizares essa palavra de sugestão e repete-a até que o significado se manifeste.
6. Respirar
Simplesmente focando a atenção na respiração e controlando a frequência respiratória, o atleta pode alterar a sua frequência cardíaca, limpar a sua mente e alcançar um nível ideal de mobilização. Este processo permite regular a resposta fisiológica ajudando a dissipar a dor, e também ajudará o atleta a tomar decisões mais inteligentes sobre o que precisa ajustar para reduzir o desconforto físico. Além disso, tira a sua mente das sensações dolorosas que o seu corpo está experimentando e coloca o foco intencional em outra sensação física que é familiar e que ele controla.
Dica: Podes apenas observar ou regular a tua respiração, é uma decisão tua. Observar e sentir a respiração, não tentar controlar, julgar ou mudar é uma estratégia. Mas sentir a frescura do ar a entrar no nariz e o calor a sair, focando ao mesmo tendo a atenção no movimento do abdômen pode ser muito eficaz. Não há apenas um caminho certo ou uma forma de realizar estes exercícios.
7. Distrair-se
Encontra um local para te deitares ou sentar e relaxa, canta uma canção na tua cabeça, conta o número de cores ao teu redor. Por defeito a mente só pode concentrar-se em uma coisa de cada vez, momento a momento. Por essa razão o atleta pode decidir colocar o foco em outras coisas para além da dor e desconforto. Outra opção: Muda o teu foco para uma parte do teu corpo que não esteja com dor, como sentires as mãos soltas e relaxadas enquanto realizas uma rampa a correr.
Praticamente qualquer distração funciona, exceto se o atleta se concentrar em coisas que estão além do seu controle, como o tempo de outro corredor ou as condições climatéricas.
8. Observar as sensações
Todas estas técnicas funcionam bem para diminuir os níveis baixos a moderados de dor e desconforto físico, mas todos temos um limiar. Quando a dor de algo se torna muito grande, o atleta não tem escolha senão levar em consideração as sensações que sente. Se passares pelo ponto de dor não saudável ou tolerável, a tua melhor aposta é a aceitação, e não a resistência.
Pesquisas mostram que os atletas de elite ficam mais confortáveis quando enfrentam o desconforto físico, enquanto os atletas amadores usam mais o evitamento.
Em vez de ficares em pânico, controla o que podes: ritmo respiratório, ritmo de corrida, tensão muscular, e pensa em “trazer intenção” para os músculos doridos, aplicando uma ou mais das estratégias atrás apresentadas. Fisiologicamente, isso recruta mais oxigênio para essas áreas, a energia flui para onde a atenção vai. Mas mesmo que não consigas diminuir a dor, trazer a consciência para uma parte do corpo irá dar uma maior sensação de controle e esperança.